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O UTILITARISMO E SUA RELAÇÃO COM A ÉTICA, A MORAL E A JUSTIÇA

Por Raquel Romão Reis


Esse texto foi produzido por mim no primeiro ano de Filosofia e achei que seria interessante compartilhar aqui para que você veja um jeito filosófico de entender sobre utilitarismo, a ética, a moral e a justiça.




INTRODUÇÃO


O ser humano é possuidor de um bem denominado livre arbítrio, embora esta condição seja refutada por alguns pensadores. Todavia, considerando que o homem é detentor do poder de escolha, entende-se que o livre arbítrio, quando usufruído de maneira que estas escolhas estejam fundamentadas no conhecimento e desenvolvimento cultural, sobretudo, sobre discernimento do que é justiça, nem sempre podem ser admitidas como escolhas certas, morais e justas.

1. O livre arbítrio 


Tomás de Aquino justifica que o homem possui livre arbítrio pois se não o detivesse, de nada serviria os conselhos, as proibições, os preceitos, as penas e as virtudes. Acrescenta que certos seres agem sem discernimento, dos quais este presente trabalho se esquiva em abordar, e os que possuem discernimento, que neste caso será considerado o ser humano.
As escolhas do homem são pautadas no discernimento não natural, mas racional e, desta maneira, é compreensível que o ser humano seja legislador universal, detentor do princípio da Autonomia da Vontade. Ou seja, ele possui o poder de julgar a si mesmo e às suas ações. 

2. A lei universal 

Para Imannuel Kant, os seres humanos são submetidos aos seus próprios julgamentos, conforme a lei universal:
“[...]. Seres racionais estão pois todos submetidos a esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si. Daqui resulta porém uma ligação sistemática de seres racionais por meio de leis objectivas comuns, i. é um reino que, exatamente porque estas leis têm em vista a relação destes seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino dos fins (que na verdade é apenas um ideal). 
Mas um ser racional pertence ao reino dos fins como seu membro quando é nele em verdade legislador universal, estando porém também submetido a estas leis. Pertence-lhe como chefe quando, como legislador, não está submetido à vontade de um outro [...]”.
Kant se refere ao Reino dos Fins como ligação sistemática de vários seres racionais, sendo que todos estão ligados pelas mesmas regras de convivência, isto é, de leis comuns. A finalidade é que todos tenham suas ações pautadas nas leis particulares e perante a lei de todos. 
Sobre isso, o Autor revela que:
“[...]. A moralidade consiste pois na relação de toda a ação com a legislação, através da qual somente se torna possível um reino dos fins. Esta legislação tem de poder encontrar-se em cada ser racional mesmo e brotar da sua vontade, cujo princípio é: nunca praticar uma acção senão em acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer só de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal [...]”.
A partir do instante em que o homem precisa escolher qual ação ter de acordo com sua vontade e, se esta vontade abrange ou não as leis universais, entende-se que ele tem o livre arbítrio em escolher o que é bom ou o que é mal. 
Observo que o Autor enfatiza que a moralidade é a harmonia da vontade do homem com o que determina a lei universal. Ser moral ou não, é, portanto, uma escolha particular de cada ser humano. Contudo, vejo uma ressalva, o homem só pode usufruir do livre arbítrio se ele estiver plenamente são e consciente de todos os atos seus e de outrem.
Toda escolha tem uma consequência e, neste caso, optar pelo que é moral, ou seja, está de acordo com as leis universais, torna-se uma obrigação, isto é, um dever que, caso não seja cumprido, o homem terá uma cobrança sobre esta ação considerada como um ato imoral. 

3. Definição de lei


Montesquieu, em sua obra “Do Espírito das Leis” explana sobre o que são leis:
“As leis, no significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas, e, neste sentido, todos os seres têm as suas leis: a Divindade tem as suas leis, o mundo material tem as suas leis, as inteligências superiores ao homem têm as suas leis, os animais têm as suas leis, o homem tem as suas leis [...].
Há, pois, uma razão primitiva; e as leis são as relações que se encontram entre essa razão e os diversos seres, e as relações desses diversos seres entre si. 
Deus se relaciona com o universo como criador e como conservador; as leis segundo as quais criou são as mesmas segundo as quais Ele conserva: age Ele segundo essas regras porque as conhece; conhece-a porque as fez; fê-las porque se relaciona com sua sabedoria e potência.
Como vemos que o mundo, formado pelo movimento da matéria e carente de inteligência, segue subsistindo, é preciso que os seus movimentos tenham leis invariáveis; e, se pudéssemos imaginar um mundo diferente deste, tal mundo teria regras constantes ou seria destruído […].
Os seres particulares, inteligentes, podem ter leis que eles mesmos fizeram; mas têm também leis que não fizeram. Antes de haver seres inteligentes, eles eram possíveis: tinham, pois, relações possíveis e, por conseguinte, leis possíveis. Antes de haver leis feitas, havia relações possíveis de justiça. Dizer que nada há de justo ou de injusto além do que ordenam ou proíbem as leis positivas é dizer que, antes de ser traçado um círculo, todos os raios não eram iguais. 
Cumpre, pois, admitir relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece: como, por exemplo, que, supondo haver sociedades de homens, seria justo conformando-nos a suas leis; que, se tiver havido seres inteligentes que receberam alguns favor de outro ser, eles deveriam ser-lhe reconhecidos por isso; que, se um ser inteligente tivesse criado um ser inteligente, o criado deveria permanecer na dependência em que estava desde a origem; que um ser inteligente que fez mal a um ser inteligente merece receber o mesmo mal; e assim por diante.
Mas o mundo inteligente está longe de ser tão bem governado quanto o mundo físico. Pois, embora aquele também tenha leis que, por natureza, são invariáveis, não as obedece com a constância com que o mundo físico obedece as suas. A razão disso é que os seres particulares inteligentes são limitados por sua natureza e, por conseguinte, estão sujeitos ao erro; e, por outro lado, é de natureza agirem por si mesmos. Não obedecem, pois, com constância as suas leis primitivas; e nem sempre obedecem mesmo aquelas que eles mesmos se impõem [...]”. (MONTESQUIEU, p. 21-22)
Observo que Montesquieu reforça que o homem cria leis racionais/universais, mas não as obedecem com a constância que o mundo físico obedece suas leis naturais. Essa escolha, considerando a sanidade mental do homem e sua plena consciência, pode ser atribuída à capacidade de escolha, ou seja, ao livre arbítrio que ele detém na condição humana.

4. Conceito de dignidade


Kant descreve que a moralidade e a humanidade, sendo esta moral, são as únicas que possuem a dignidade. 
Sobre a dignidade, o Autor explica que:
“[...]. A própria legislação porém, que determina todo o valor, tem que ter exactamente por isso uma dignidade, quer dizer um valor incondicional, incomparável, cuja avaliação, que qualquer ser racional sobre ele faça, só a palavra respeito pode exprimir convenientemente. Autonomia é pois fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional [...].
A essência das coisas não se altera pelas suas relações externas, e o que, sem pensar nestas últimas, constitui por si só o valor absoluto do homem, há-de ser também aquilo por que ele deve ser julgado, seja por quem for, mesmo pelo Ser Supremo. a moralidade é pois a relação das ações com a autonomia da vontade, isto é, com a legislação universal possível por meio das suas máximas. A ação que possa concordar com a autonomia da vontade é permitida; que ela não concorde é proibida. A vontade, cujas máximas concordem necessariamente com as leis da autonomia, é uma vontade santa, absolutamente boa. a dependência em que uma vontade não absolutamente boa se acha em face do princípio da autonomia (a necessidade moral) é a obrigação. Esta não pode, portanto, referir-se a um ser santo. A necessidade objectiva de uma acção à obrigação chama-se dever. 
Pelo que antecede podemos agora explicar-nos facilmente como sucede que, ainda quando nos representamos sob o conceito de dever uma sujeição à lei, possamos achar não obstante simultaneamente uma certa sublimidade e dignidade na pessoa que cumpre todos os seus deveres. Pois enquanto ela está submetida à lei moral não há nela sublimidade alguma; mas há-a sim na medida em que ela é ao mesmo tempo legisladora em relação a essa lei moral e só por isso está subordinada [...]. A nossa própria vontade, na medida em que agisse só sob a condição de uma legislação universal possível pelas suas máximas, esta vontade que nos é possível na ideia, é o objecto próprio do respeito, e a dignidade da humanidade consiste precisamente nesta capacidade de ser legislador universal, se bem que com a condição de estar ao mesmo tempo submetido a essa mesma legislação [...]”. (KANT, p.75-85).
Kant fala que o objeto do respeito é a escolha de acordo com a legislação universal, mas diante de uma situação que exija cautela e cuidado, pode ser considerado como livre arbítrio suas escolhas? Sendo essas escolhas condicionadas a uma consequência e de acordo com a legislação universal, devem ser consideradas morais e éticas? A que ponto pode-se considerar que o utilitarismo é fundamentado na moral, na ética e no que é justo?

5. Definição de justiça


Observo que o homem, possuindo plena sanidade mental e consciência, ao usufruir de sua capacidade de livre arbítrio, em situações complexas, faz escolhas que nem sempre são morais ou justas, aparentemente.
Para Aristóteles o justo, ou seja, a justiça é o que se relaciona com o meio termo. 
“[...]. A justiça é a observância do meio termo, mas não de maneira idêntica à observância de outras formas de excelência moral, e sim, porque ela se relaciona com o meio termo, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. E a justiça é a qualidade que nos permite dizer que uma pessoa está predisposta a fazer, por sua própria escolha, aquilo que é justo, e, quando se trata de repartir alguma coisa entre si mesma e outra pessoa, ou entre duas outras pessoas, está disposta a não dar demais a si mesma e muito pouco à outra pessoa daquilo que é desejável, e muito pouco a si mesma e demais à outra pessoa do que é nocivo, e sim dar a cada pessoa o que é proporcionalmente igual, agindo de maneira idêntica em relação a duas outras pessoas. A justiça, por outro lado, está relacionada identicamente com o injusto, que é excesso e falta, contrário à proporcionalidade, do útil ou do nocivo. Por esta razão a injustiça é excesso e falta, no sentido de que ela leva ao excesso e à falta - no caso da própria pessoa, excesso do que é útil por natureza e falta do que é nocivo, enquanto no caso de outras pessoas, embora o resultado global seja semelhante ao do caso da própria pessoa, a proporcionalidade pode ser violada em uma direção ou na outra. No ato injusto, ter muito pouco é ser tratado injustamente, e ter demais é agir injustamente [...]”. (ARISTÓTELES, p. 101)
Acrescenta o Autor que:
“[...] as coisas que são justas não por natureza mas por decisões humanas não são as mesmas em todos os lugares, já que as constituições não são as mesmas, embora haja apenas uma que em todos os lugares é a melhor por natureza. 
Cada uma das regras de justiça e das regras legais se relaciona com as ações da mesma forma que o universal se relaciona com seus casos particulares, pois as ações praticadas são muitas, enquanto cada regra ou lei é uma, já que é universal.
[...]. Sendo os atos justos e injustos aqueles que descrevemos, uma pessoa age injustamente ou justamente sempre que pratica tais atos voluntariamente; quando os pratica involuntariamente, ela não age injustamente nem justamente, a não ser de maneira acidental. O que determina se um ato é ou não é um ato de injustiça (ou de justiça) é sua voluntariedade ou involuntariedade; quando ele é voluntário, o agente é censurado, e somente neste caso se trata de um ato de injustiça, de tal forma que haverá atos que são injustos mas não chegam a ser atos de injustiça se a voluntariedade também não estiver presente. Considero voluntária, como já foi dito antes, qualquer ação cuja prática depende do agente e que é praticada conscientemente, ou seja, sem que o agente ignore quem é a pessoa afetada por sua ação, qual é o instrumento usado e qual é o fim a ser atingido (por exemplo, quem ela está golpeando, com que objeto e para que fim); além disto, nenhuma destas ações deve ser praticada acidentalmente ou sob compulsão (por exemplo, se alguém segura a mão de uma pessoa e com ela golpeia outra pessoa, a pessoa cuja mão é segura não age voluntariamente, pois a prática do ato não dependia dela) [...]”. (p.103-104).

6. Conclusão


Com essas explanações, concluo que as questões continuam sendo complexas e difíceis de serem respondidas uma vez que na sociedade existem diversos entendimentos sobre escolha certa, moral, ética e justa, não podendo ser visto como livre arbítrio, ou voluntário, simplesmente, mas como escolhas utilitaristas, isto é, escolhas fundamentais para todos os seres humanos.
A exemplo disso, observo que discussões sobre aborto e células-tronco, não podem ser pautadas em livre arbítrio, ou ato voluntário, ou religião, ou experiências particulares, ou legislação universal. Sabe-se que muitas pessoas que discordam alegam que a lei deveria ser mais rígida em relação o princípio da existência da vida humana. Em contrapartida, as que concordam, defendem que o Estado não pode interferir na decisão particular das pessoas sobre ter ou não um filho, bem como justificam que as pesquisas não destroem vida ao utilizar embriões humanos em laboratório, mas promovem benefícios dos quais a humanidade pode usufruir, como um tratamento e cura de uma doença, por exemplo. 
Concluo e finalizo esse estudo, o qual certamente merece aprofundamento, que essas escolhas das quais a sociedade se divide, não parece ser decisão fundamentada em livre arbítrio. Em se tratando de um bem para todos, ou se tratando do princípio da vida humana, o que é ético, moral e justo tornam-se subjetivos.




BIBLIOGRAFIA


ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Aristóteles: tradução de Mário da Gama Kury - Brasília : Editora Universidade de Brasília. c1985, 4ª edição, 2001;

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes;

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Montesquieu. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2010.

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